Um dos direitos trabalhistas mais importantes e antigos dos empregados é sobre jornada de trabalho.

Tal questão é muito relevante, pois está relacionada à própria saúde e segurança do funcionário no serviço. Veja que jornadas extensas ou mesmo a ausência de períodos de descanso podem levar a ocorrência de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais.

Assim, a nossa Constituição Federal de 1988 estabelece que a duração normal do trabalho é de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais. Mas essa regra tem exceções como o regime 12×36 que, inclusive, tem crescido bastante para algumas funções.

Sempre que o trabalhador é contratado para ingressar em um novo emprego, ele deve ser informado pelo seu patrão de algumas questões importantes relacionadas ao seu trabalho.

Assim, ele deve ser cientificado de questões como o valor do salário e demais benefícios que possam existir, o horário do seu expediente, qual será sua função na empresa, ou seja, aquilo que ele vai fazer no dia a dia, etc.

Veja que é muito importante que as empresas especifiquem quais são as tarefas que compõem a função para qual o trabalhador foi contratado. Apesar disso, um dos problemas mais comuns entre patrões e empregados é o acréscimo posterior de atividades que não foram passadas ao empregado no momento de sua admissão.

Mas, o que deve ser entendido como acúmulo de função? O acúmulo de função caracteriza-se quando o empregador altera aquelas funções que inicialmente haviam sido passadas ao empregado, acrescentando novas tarefas que agora devem ser exercidas juntamente com as anteriores.

Contudo, não é qualquer nova tarefa que gera o acúmulo de função. Na verdade, essas novas atribuições devem ser absolutamente distintas daquelas relacionadas à função para a qual o trabalhador foi contratado ou mesmo muito superior à sua condição pessoal.

O acúmulo de função fica mais fácil de caracterizar quando as atividades acrescentadas, de forma habitual, trazem ao empregado maiores responsabilidades ou mesmo exigem dele um maior conhecimento técnico, para acarretar, inclusive, um maior desgaste físico e mental ao trabalhador. 

Vamos a um exemplo para ficar mais claro: o empregado é contratado para o cargo de pedreiro, mas com o tempo, além de continuar exercendo as funções inerentes a essa ocupação, passa a executar outras tarefas atribuições que são específicas do cargo de mestre de obras como interpretar projetos, monitorar a equipe e os padrões de qualidade, controlar todo o material utilizado, etc. 

O acúmulo de função é proibido ou as empresas podem fazer isso?

Conforme visto acima, fica mais fácil a caracterização do acúmulo de função quando as novas atribuições que foram acrescentadas ao contrato de trabalho trazerem ao empregado maiores responsabilidades e conhecimento técnico.

Ora, note que essa situação acaba causando um desequilíbrio no contrato. Veja:

  • Sob ponto de vista do empregado, ele passa trabalhar mais. Assim, no final do seu expediente ele está mais desgastado física e mentalmente. Na verdade, isso é tão grave que pode contribuir até mesmo para o surgimento de doenças ocupacionais como Depressão, etc.
  • Já sob ponto de vista do patrão pode ser muito vantajoso, pois ele acrescenta novas tarefas ao seu empregado, reduz seus custos, mas continua pagando o mesmo salário.

 

Portanto, diante do que vimos acima, ou seja, das consequências ruins para os empregados e o enriquecimento indevido que essa situação pode gerar para as empresas, ela é proibida pelo nosso ordenamento jurídico.

 

Mas, se o empregado teve um acúmulo de função na empresa, ele tem algum direito?

Veja que essa situação acaba gerando um desequilíbrio no contrato, pois o empregado é contratado para exercer a função A e com o tempo passa a exercer as funções A, B e C.

Vimos acima que essa situação traz consequências ruins para o trabalhador e o enriquecimento indevido do empregador. Assim, o contrato de trabalho precisa ser reequilibrado, ou seja, se as atribuições do funcionário aumentaram, seu salário também deverá aumentar.

Desse modo, o empregado tem o direito ao recebimento de um acréscimo salarial. Ressalta-se que a lei trabalhista não trata desse assunto de forma clara, mas a jurisprudência tem utilizado como critério de cálculo desse acréscimo salarial a aplicação de um percentual (30%, por exemplo) sobre o salário do empregado.

Importante informar que esse percentual será aplicado caso a caso e deve ser utilizado não apenas como forma de aumentar o valor do salário, mas também deve ser usado no cálculo das férias + 1/3, 13º salário, FGTS e contribuições do INSS.

 

O acúmulo de função pode gerar também a rescisão indireta do contrato de trabalho?

Primeiramente, cumpre explicar aqui o que é a rescisão indireta do contrato de trabalho.

Veja que da mesma forma que o patrão pode aplicar uma justa causa no empregado quando este comete uma falta grave, o empregado também pode aplicar uma justa causa no patrão quando é este quem comete tal falta e é justamente essa justa causa aplicada pelo funcionário que chamamos de rescisão indireta.

Ressalta-se que nesses casos o trabalhador tem direito ao seu acerto completo, ou seja, aviso-prévio, férias + 1/3, 13º salário, FGTS mais a multa de 40% e seguro desemprego (se tiver a carência).

Conforme visto, a rescisão indireta ocorre quando o patrão comete uma falta grave. A questão, então é: o acúmulo de função é uma falta grave? A resposta é sim.

Assim, ao trazer atribuições estranhas ao cargo, o empregador comete uma falta grave que além de gerar o direito ao recebimento de um acréscimo salarial, também pode autorizar a rescisão indireta do contrato de trabalho com o recebimento de todas as verbas rescisórias.

 

 

Qual a diferença do acúmulo função e do desvio de função?

Vimos que o acúmulo de função é a realização, de forma simultânea e conjunta, daquelas funções originárias do cargo contratado e de outras que foram posteriormente acrescentadas.

Já o desvio de função é diferente e ocorre quando o empregado deixa de exercer suas funções originárias, ou seja, ele não executa mais a função para qual foi contratado, mas passa executar outras totalmente distintas e mais complexas.

Ressalta-se, ainda, que essa situação pressupõe a existência de plano de cargos e salários ou mesmo negociação coletivas dos sindicatos que estabelecem distinção de salários para cada cargo específico.

Vamos a um exemplo de desvio de função para ficar mais claro: o trabalhador é contratado para trabalhar como servente, mas deixa esse cargo e passa a laborar exclusivamente como pedreiro sem qualquer anotação em sua carteira dessa alteração. Recebe o mesmo salário, apesar do sindicato que o representa ter negociação coletiva que fixa um piso salarial superior ao que ele recebe para o cargo de pedreiro.

Assim, o desvio de função também pode gerar ao funcionário o direito ao recebimento de um acréscimo salarial.

 

Como provar o acúmulo de função na justiça?

De início, importante informar aqui que cabe ao empregado provar essa situação de acúmulo de função, ou seja, tal encargo está com o funcionário e não com o patrão.

Contudo, o trabalhador pode utilizar de todos os meios prova legítimos que tiver ao seu alcance para demonstrar seu direito. Assim, pode apresentar provas como e-mails, troca de mensagens de WhatsApp, gravação de ligação telefônica ou mesmo colegas de trabalho que possam ser ouvidos como testemunhas.

Esclareça-se que a prova testemunhal é muito valorizada na justiça do trabalho.

 

Conclusão

O acúmulo de função traz consequências ruins para os empregados e para os patrões e deve, portanto, ser repelida.

De todo modo, caso aconteça, o funcionário deve buscar resolver amigavelmente essa situação diretamente com seu empregador para que uma de duas soluções possam ser tomadas, a saber, ou o patrão cancela o acréscimo dessas novas funções, ou aumenta o salário do empregado.

Caso nenhuma das soluções acima sejam adotadas, o trabalhador pode buscar a Justiça do Trabalho para fazer valer os seus direitos.